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quarta-feira, 30 de julho de 2008

Dos Templos para Teatros e Auditórios II

Na postagem anterior acabei falando mais do aprendizado de dança, das diferenças entre aprender BN in loco e aprender aqui no ocidente. Assim também penso que dançar na India e dançar por aqui tenha diferentes sabores. Não que todo indiano seja especialista em dança, mas eles conhecem sua própria cultura, sua religião e linguagem corporal. Muitas coisas na dança são parte do gestual diário de um indiano. Outras são tão óbvias, a maioria conhece bem os passatempos do Sr. Krishna, o Ramayana, o Bhagavad Gita, e as histórias que envolvem Sr. Shiva, Vishnu, Brahma, Ganesha, etc ou as ações de um sacerdote ao realizar um puja, ou ainda uma mulher preparando manteiga e por aí vaí. Daí a primeira questão: o templo era o espaço perfeito. Os patrocinadores e corte, creio, eram o público quase perfeito, cultos e entendedores do valor de um Varnam e de quanto estudo, prática e devoção estava por trás de cada performance. Uma platéia indiana hoje em dia, claro, vai variar. Os conhecedores, vão ver uma performance, o público em geral outra. No ocidente, podemos dizer o mesmo. Os poucos conhecedores terão uma experiência, leigos outra. Certa vez vi aqui uma apresentação e tive a impressão de que estava vendo alguma coisa tipo dança indiana, mas que, para falar a verdade, era bem diferente. A experiência é diferente. A energia que circula é diferente. Muita gente que assistia não fazia a menor idéia do que realmente é dança indiana. Tiveram, certamente, uma outra experiência. Façamos uma analogia: é um pouco como conhecer um bom vinho e saber absorver todas as suas sutilezas, deixar que ele explore pelo menos dois dos teus sentidos: olfato e paladar. Quando não se tem o parâmetro, fica mais difícil ir mais profundamente. Não dá pra dizer que, necessariamente, os entendidos vão achar melhor, ou vão tirar maior proveito de uma apresentação, quer dizer que ambos, expert e leigo, vão sentir diferente. Mas, percorrendo caminhos distintos, chegarão ao mesmo lugar: o seu lugar divino. Puxa, olhem só onde eu vim parar...mas é bem isso: existe, digamos assim, uma reação química, entre arte e seu expectador, e cada indivíduo, baseando-se no seu conhecimento e percepção vai experenciar de sua forma. Isso vale pra todos, indiano e não indiano. O fato de hoje a dança indiana acontecer em vários e diferentes contextos é bom e ruim. Bom, porque mais pessoas podem regogizar-se com sua beleza e graciosidade, além de aprender algo sobre a cultura, mitologia e religião hindu. Isso serve para praticantes e espectadores. Ruim, porque, hoje cada vez mais difundida, há muitas adaptações, liberdadade e falta de controle no seu aprendizado. Por exemplo: pode-se dançar trecho da bíblia, mas daí a representar a paixão de Cristo ao ritmo de saltitantes di di teis... (diditeis são passos alegres, efervescentes e como os incluir em uma história com tom melancólico e triste desta passagem?) abre-se espaço para maior número de temas, sim, isso é bom, mas deve haver um cuidado para que a arte não perca totalmente suas características. Corre-se o risco de não estar representando bem nem o BN, nem a paixão de Cristo. Com isso é que se deve ter o maior cuidado.Outra coisinha: se existem pequenas variações de mestre pra mestre, escola pra escola, me pergunto o quanto do antigo Sadir/ Chinna Mela ainda faz parte do atual BN. Enfim, não há ISO9000 para atestar a qualidade nem do que está sendo ensinado, nem do que vem sendo apresentado. E é isso é que gera um certo desconforto, principalmente no ocidente: apropriar-se de algo tão sagrado e tradicional e adaptar com a segurança de que não se está criando um "alien"...Digamos que isso não é pra qualquer um. Pra mim é como preparar uma receita de comida indiana (ou japonesa, tailândesa, até mesmo italiana) aqui: não se pode achar todos os ingredientes. Existem coisas frescas, coisas que não existem mesmo fora do seu contexto, até dá pra adaptar, criar, mas o resultado jamais será o mesmo. O bom senso e o paladar, no caso da receita, e o senso estético, no caso da dança, é que vai determinar se o que se tem é algo aceitável (e agradável) ou não.

Um comentário:

Melissa disse...

Não me entendam mal, não sou radical e nem burra de achar que não se deve adaptar...a dança, pode e deve se tranformar com o tempo.Se não, passa a ser uma dança morta, como uma língua morta. Não foi isto que quis dizer. Quis dizer que para fazer tais adaptações precisa-se de duas coisas: conhecimeto e talento. Portanto, não é qualquer pessoa que teve aula por 2 mêses que pode sair por aí, adaptando.